De entrevistadora a entrevistada

Quase sempre quem dá a entrevista é a celebridade da vez, mas toda regra tem sua exceção. Mesmo sendo quem toma as anotações a lápis, a pesquisadora Cremilda Medina (USP) não foi poupada do estrelato que sua pesquisa sobre entrevistas lhe rendeu. Fotos e autógrafos marcaram a passagem da pesquisadora no PraxisJor ontem, 4.

Após toda a hospitalidade (e por que não pompa?) que recebeu, Cremilda Medina voltou a respirar o ar reservado com o qual é familiarizada: participou de uma entrevista. No entanto, os papeis se inverteram mais uma vez, deixando-a livre das obrigações dos bloquinhos de anotações ou dos gravadores de voz. Sentada em uma das fileiras de cadeiras do bloco da Psicologia, a palestrante respondeu animada a algumas perguntas sobre o jornalismo, atualmente marcado por novas tecnologias na dinamização da sua produção. Citando o pioneirismo do Washington Post na revolução digital, Cremilda afirma a necessidade de "um jornalismo profundo e profundamente humano", categorizado como "jornalismo de autor".

Segundo a palestrante, "o jornalista autor faz uma mediação social responsável eticamente". Ela destaca que a tecnologia oferece acesso a várias informações e facilita o trabalho do jornalista no tempo e no espaço, mas não resolve o problema de dar significação à narrativa, seja ela em que mídia for. "No meu entendimento, a narrativa só se dá se o jornalista estiver no mundo concreto, na rua e não atrás de uma máquina", frisando que a percepção do mundo  pelo jornalista "só se realiza se ele estiver presente no mundo e não ausente pela tecnologia".

Um meio de produzir uma narrativa menos autoritária é "ter encantamento pelo outro". Cremilda Medina afirma que "se o jornalista sair ao mundo com essa curiosidade, com seus sentidos abertos e com um encantamento de descoberta", a situação de poder é mudada, tornando o profissional "um pouco mais humilde". Além disso, a técnica é "um passo fundamental", mas que deve ser aliado a outras duas experiências: a arte e a reportagem. Servindo-se do exemplo "mais emocionante que viveu", a entrada em uma viatura de resgate de loucos na periferia de São Paulo, Cremilda conta que "o que aprendeu com eles sobre doença mental, não aprenderia se simplesmente fosse entrevistar as autoridades do assunto".

De acordo com Cremilda, fatos como esse dão a oportunidade de o jornalista "dar conta da sua própria angústia de estar presente na atualidade" e deixar de ser um "burocrata". Ela conta que para mudar "essa burocracia técnica na cabeça, é preciso circular, andar por aí e sentir", destacando a importância do que chama de "relação interativa". "Uma relação interativa é sagrada pra mim".